O vosso é um mundo em que os berços se tornam
sepulcros e os sepulcros se tornam berços; em que os dias
devoram as noites e as noites vomitam dias; de paz
declarando guerra e de guerra implorando paz; em que os
sorrisos flutuam sobre as lágrimas e as lágrimas brilham
nos sorrisos.
O vosso é um mundo em constante trabalho de parto,
em que a parteira é a Morte.
O vosso mundo é um mundo de crivos e peneiras, no
qual não há dois crivos ou duas peneiras iguais. E estais
sempre sofrendo a tentar passar pelo crivo o que por ele
não passa e a lutar peneirando o que se não pode peneirar.
O vosso é um mundo dividido contra si mesmo
porque o vosso eu é assim dividido.
O vosso é um mundo de barreiras e de cercas porque
o vosso eu é uma dessas barreiras e cercas. Ele põe uma
cerca para que aquilo que lhe é estranho não entre e
estabelece outra para aquilo que lhe é afim não saia. No
entanto, o que está para fora da cerca, se põe a passar para
o lado de dentro e o que está dentro se põe a passar para o
lado de fora, pois, sendo ambos prole da mesma mãe — e
também o vosso eu — não podem ser separados.
E vós, em vez de vos regozijardes com a sua feliz
união, tornais a cingir-vos para o infrutífero trabalho de
separar o inseparável. Em vez de estabelecerdes a divisão
de vosso eu, despedaçais a vossa vida na vã tentativa de
fazer uma cunha com a qual possais separar aquilo que
pensais ser o vosso eu, daquilo que julgais não ser o vosso
eu. Eis porque as palavras dos homens são embebidas de
veneno. Eis porque são os seus dias ébrios de tristeza. Eis
porque são as suas noites tão atormentadas pela dor.